Notícia publicada em: 03.07.2014
A tecnologia proporciona ao ser humano avanços e conquistas nas mais diversas áreas. Na indústria farmacêutica, a biotecnologia é responsável por alavancar pesquisas e permitir a produção de medicamentos de última geração, capazes de tratar doenças da mais alta complexidade. Nesse cenário, a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), estatal vinculada ao Ministério da Saúde, cuja fábrica está em construção no município de Goiana-PE, sai na vanguarda ao se qualificar para executar esse tipo de serviço. Quando estiver operando, além de seis medicamentos hemoderivados, que são obtidos por meio do fracionamento do plasma sanguíneo, a empresa fabricará o fator VIII recombinante, produzido por meio de engenharia genética e considerado o que há de mais moderno e eficiente para o tratamento da hemofilia tipo A. Dessa forma, a Hemobrás fará parte de um seleto grupo mundial de fabricantes aptos a utilizar a técnica, que terá como prioridade o aumento do acesso da população à saúde pública de qualidade.
A grande vantagem do recombinante em relação ao fator plasmático é a sua capacidade de produção ilimitada. O hemoderivado sofre uma limitação natural, pois é oriundo do fracionamento de uma proteína encontrada em baixíssima quantidade no sangue, o que requer uma gigantesca estrutura logística associada à obtenção de matéria prima para sua fabricação em larga escala. Isto levava até mesmo à pouca oferta do produto no mercado internacional, com frequentes oscilações de preço e insegurança para os portadores de hemofilia, que dependem da reposição continua dessa proteína para viver, especialmente os brasileiros, uma vez que este medicamento ainda é 100% importado. Com a introdução do fator VIII recombinante no portfólio da Hemobrás, em junho de 2013, foi possível não só diminuir as tensões decorrentes das variações da oferta de produtos plasmáticos no mercado, como também melhorar a conduta terapêutica, instituindo o tratamento profilático e consequentemente melhorando a qualidade de vida dos usuários.
Para obter este medicamento em laboratório, utilizando a tecnologia de DNA recombinante, isola-se uma parte do gene humano responsável pela produção do fator VIII, que é posteriormente inserida na célula ovariana de um hamster. “Essa metodologia de biologia molecular vem sendo aprimorada há mais de 30 anos e é considerada como uma das mais seguras para a produção de proteínas recombinantes de uso terapêutico. Toda essa pesquisa nos oferece uma resposta eficiente para as etapas de produção do biofármaco”, assegurou o gerente de Incorporação Tecnológica e Processos da Hemobrás, Antônio Edson Lucena.
De acordo com ele, depois de ocorrer a recombinação genética, a célula se torna capaz de produzir o fator VIII com uma estrutura idêntica à da proteína humana. Para isso, ela é colocada em um ambiente de cultura com todas as condições necessárias para a sua multiplicação. “Para se ter uma ideia, um frasco contendo 10 mililitros de meio de cultura, com menos de uma dezena de células, ao final do processo de fermentação industrial produzirá sete toneladas desse material”, explicou.
Após a fermentação, que dura cerca de dez dias, um equipamento chamado coluna de cromatografia faz a purificação do líquido, descartando o meio de cultura e retendo apenas o fator VIII excretado pela célula, que por sua vez é lavado e recuperado, além de passar por um procedimento de inativação viral. Finalizadas todas as etapas de produção, a proteína é concentrada e transformada em um litro da solução, contendo altíssima concentração do recombinante, que segue para a formulação, envase e liofilização (desidratação, retirada da água do produto com o objetivo de garantir suas propriedades ao longo do prazo de validade).
O volume total produzido (um litro), ao final de aproximadamente de um mês de processamento, equivale a seis milhões de UI – unidade internacional, medida usada na indústria farmacêutica para identificar a concentração do princípio ativo. No caso dos hemoderivados, essa mesma quantidade só seria conseguida com 70 mil litros de plasma. “Essa estimativa reforça nossa certeza em investir na fabricação do recombinante. Para isso, ampliamos a área construída do parque fabril da estatal e teremos um bloco exclusivamente dedicado a sua produção. As demais etapas, do envase ao armazenamento e distribuição, serão feitas compatibilizando os prédios já utilizados pelos plasmáticos”, afirmou Lucena.
Ao ter como plano de produção 200 lotes anuais do medicamento, a Hemobrás trabalha com a expectativa de triplicar a circulação interna do medicamento, elevando o índice de terapia per capita a um patamar encontrado apenas nos Estados Unidos e Reino Unido. “A tendência é que, em 2020, quando a produção estiver ocorrendo totalmente em solo nacional, cheguemos a 1,2 bilhão de UI e possamos tratar os hemofílicos brasileiros com 6 UI per capita”.
Mesmo fabricando o recombinante, a Hemobrás continuará produzindo o fator VIII plasmático. Isso porque existem estudos apontando que 5% dos pacientes podem desenvolver intolerância ao biofármaco. “É um percentual pequeno, mas que precisa receber um tratamento tão eficiente quanto. É para isso que trabalhamos: para que todos os brasileiros tenham uma maior qualidade de vida”, ressaltou.
Distribuição – Atualmente, a Hemobrás distribui ao Sistema Único de Saúde (SUS) cerca de 400 milhões de UI Fator VIII por ano fruto de uma Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que tem com a Baxter. Essa PDP possibilitou a assinatura do contrato de transferência de tecnologia, em outubro de 2012. Com duração de dez anos, o fornecimento do produto para os usuários do SUS anda em paralelo ao processo de aquisição da expertise para se produzir o fator VIII recombinante na fábrica da Hemobrás, prevista para o ano de 2010. Para isso, a estatal enviará profissionais aos Estados Unidos, onde aprenderão a técnica que será executada nacionalmente.